A história racista da depilação nos Estados Unidos

Regiane Martins
4 min readAug 23, 2021
Imagem de kropekk_pl no Pixabay

Mais de 99% das mulheres estadunidenses voluntariamente removem os pelos do corpo. Mais de 85% o fazem regularmente. Embora práticas depilatórias tenham existido em diversas culturas ao longo da história, nos séculos XIX e XX houve um esforço sem precedentes para tornar a depilação obrigatória para as mulheres nos Estados Unidos. À medida que os homens brancos se tornaram cada vez mais focados em controlar os padrões de beleza das mulheres brancas, o corpo sem pelos foi ressignificado, se tornando um símbolo do progresso e da superioridade racial.

Apesar da ampla variedade de quantidade de pelos nas diversas raças, pensadores europeus do século XIX argumentaram que os cabelos eram um marcador de diferença racial. Novos instrumentos, como o tricômetro, foram criados para quantificar as diferenças entre os pelos entre as raças.

Após 1859, muitos cientistas fizeram mau uso da teoria da evolução de Darwin para afirmar que raça era um continuum evolucionário, onde os “selvagens” (pessoas racializadas) estariam mais próximos dos outros animais e pessoas brancas “civilizadas” seriam a forma mais evoluída de se ser humano. Nessa visão, pelos no corpo eram vistos como um sinal de animalidade e degeneração (um indicativo de que um povo não havia evoluído para a humanidade civilizada).

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A manutenção da aparência “adequada” da mulher branca se tornou sobre a conservação da “saúde” da raça branca em face da migração e da agitação racial. Uma das ideias eugênicas predominantes sustentadas pelos cientistas era de que civilizações mais “avançadas” tinham maiores diferenças visíveis entre homens e mulheres. Obrigar as mulheres brancas a se depilarem enfatizava o contraste visual entre homens e mulheres.

Isso permitiu que pensadores brancos argumentassem que a raça branca era superior às outras, que eram demonizadas como sexualmente ambíguas. Ao longo do tempo, qualquer pelo no corpo de uma mulher branca passou a ser visto como excessivo. Pelos corporais foram associados simbolicamente a sujeira por conta da associação cultural com pessoas racializadas.

Em 1876, a American Dermatological Association começou a se preocupar com a hipertricose (excesso de pelos no corpo), focando especialmente em mulheres brancas. Revistas promoveram modelos de beleza branca feminina sem pelos e campanhas que discutiam a depilação como forma de “remediar” o mal e remover marcadores raciais.

Imigrantes judeus, italianos e europeus orientais foram, em particular, alvos de propaganda de depilação por raio-x sob a ideia de que a remoção dos pelos do corpo os permitiria alcançar a brancura anglo-dominante. Isso fez com que centenas (senão milhares) de mulheres morressem devido a esses procedimentos.

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Pessoas com muito cabelo foram colocadas em exibição em “shows dos horrores” pelo país para reforçar que pessoas brancas “civilizadas” já teriam ‘evoluído” deste estado “primitivo”. Essas políticas raciais continuaram durante a Guerra Fria, onde pelos corporais foram associados a evidências de “contaminação” estrangeira. No século XX, com o crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, a dominação econômica dos homens sobre as mulheres e a distinção entre os sexos foram desafiados. Os homens haviam definido sua supremacia por sua exclusiva força de trabalho. A mobilidade econômica das mulheres desafiou essa equação.

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Controlar a aparência das mulheres foi uma estratégia para manter o o controle sobre as mulheres e aumentar o contraste entre homens e mulheres (que ainda era entendido como um marcador de civilização). “Mulheres peludas” se tornaram sinônimo de mulheres fracassadas. Em outras palavras, ao longo dos séculos XIX e XX, a depilação compulsória para mulheres se tornou uma forma de controle social do gênero para estabilizar a binaridade de gênero diante do colapso iminente.

Book Report: Plucked: A History of Hair Removal by Dr. Rebecca Herzig (New York University Press, 2016)

Post original (em inglês): ALOK (@alokvmenon)

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Regiane Martins

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