Regiane Martins
3 min readNov 29, 2021

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A história racista dos testes de QI

Na imagem, uma pessoa negra (aparentemente mulher) enrolada em um tecido amarelo e azul, com as costas nuas e uma marca de mão com tinta branca
Imagem de Erik Eris no Pixabay

No século XIX, médicos usaram a ciência para justificar o racismo.

O naturalista estadunidense Samuel Morton acreditava que pessoas brancas tinham cérebros maiores e que isso era evidência de um intelecto superior. Ele manipulou os resultados de seu estudo para validar seu preconceito, excluindo crânios pequenos de pessoas brancas para elevar o tamanho médio de seu próprio grupo.

O anatomista alemão Emil Huschke dizia que pessoas negras e mulheres brancas eram subdesenvolvidas, assim como meninos brancos, que eram “representantes vivos de um estágio ancestral na evolução dos homens brancos”.

O capacitismo era usado para regular a hierarquia racial: era esperado que homens brancos sempre fossem neurotípicos. Se não fossem, era porque eram racialmente subdesenvolvidos. Como resultado, o nome original dado por John Down para a Síndrome de Down foi “estupidez mongol”. Cientistas diziam que os corpos eram um modelo para a sociedade. Em 1866, o médico italiano Cesare Lombroso escreveu que os pés de trabalhadorus sexuais se assemelhavam aos dos macacos e essa era a causa de seu comportamento.

No século XX, a ideia de comportamento como algo inato persistiu, mas com um novo critério: genes. A nova narrativa científica era que pessoas brancas eram superiores porque tinham genes melhores. Lewis Terman concordava com o argumento dos cientistas do século XIX de que a criminalidade era inata, mas acreditava que isso se demonstrava por baixo QI, não por características físicas. Eugenistas como ele acreditavam que hierarquias de classe existiam por consequência de uma inteligência inata: nessa visão, as elites refletiam a “superioridade biológica” da população. Terman dizia que os Estados Unidos deveriam identificar cidadães de “mente fraca”, “cuja inteligência [era] baixa demais para ter qualquer vida útil”, e mantê-lus detides ou esterilizades para preservar a raça.

O psicólogo estadunidense Henry Goddard trouxe os primeiros testes de QI para os Estados Unidos. Ele acreditava que pessoas com “idade mental” entre oito e doze anos representavam a maior ameaça como criminoses, alcoólatras e trabalhadorus do sexo. Por consequência, um comitê de psicólogos criou um teste de inteligência para recrutas do exército. Eles usaram os dados coletados para afirmar amplamente que pessoas negras, judias e imigrantes eram “estúpidas” porque seu QI não era tão alto quanto o de pessoas “nórdicas”. O teste de QI deu a desculpa de legitimidade estatística para o racismo e o antissemitismo. Esses testes inspiraram a criação de outros testes padronizados pelos Estados Unidos, incluindo os SATs¹.

Na verdade, esses testes não mediam “inteligência inata” de ninguém. Eles refletiam a familiaridade das pessoas com a cultura estadunidense e o acesso à educação. Muites recrutas não conseguiam sequer ouvir o examinador e algumes sequer haviam feito um teste ou pegado em um lápis antes. Obviamente, pessoas que tiveram acesso prévio à escola se saíam melhores que as outras, mas esses fatores sociais foram ignorados.

Testes de QI foram usados por políticos para banir a imigração, criminalizar a miscigenação e legitimar a segregação racial. A inteligência é fluida e irredutível a um número. No século XIX, cientistas usaram o corpo físico para naturalizar a desigualdade. No século XX, o QI. Que tal se no século XXI acabássemos com o determinismo biológico ao invés de tentar reformá-lo?

¹ Scholastic Aptitude Test (Teste de Aptidão Escolar). Teste realizado por universidades estadunidenses para a admissão de estudantes.

Texto original (em inglês): @alokvmenon

Disponível em PDF (inglês e português): https://drive.google.com/file/d/16UbnezvWWil4iUnxiAR97vmwZv09dOiu/view?usp=sharing

Book Report: The Mismeasure of Man by Dr. Stephen Jay Gould (Norton Press 1981)

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Regiane Martins

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